BOCA NO TROMBONE - 17/nov/2005

Em comemoração ao dia da Consciência Negra, resgatei uma entrevista que cedi ao Boca no Trombone da AIC feita no ano de 2005 pela Áurea Carolina. Ficou muito boa, vale a pena ler e comentar.


Belo Horizonte, 17 de Novembro de 2005 - Ano 03 Boletim # 02


BOCA NO TROMBONE!

Troca de idéias sobre Juventude e Consciência Negra

Na semana da Consciência Negra, o boletim da Rede Jovem de Cidadania traz um bate-papo... ...Negro F, rapper de 26 anos, também ligado ao Movimento Juventude Negra e Favelada e um dos coordenadores do Grupo Cultural NUC, associação que está à frente de diversas iniciativas, como o programa Centro de Multiculturalismo Comunitário, através do qual são realizadas oficinas de capacitação técnica, formação artística e produção cultural na comunidade do Alto Vera Cruz, região leste de BH.

Agência RJC: Qual o significado da comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil?

Negro F: Acho que é... ...de pensar o que é essa luta do povo brasileiro, e de afirmar quem nós somos na História. Acho que não é só o 20 de novembro, existem outras datas no Brasil. A gente precisa entender o que elas significam pra gente, historicamente. Temos que buscar a nossa afirmação, e não as historinhas européias que a gente vem escutando na escola; levar isso para dentro de nossas casas, discutir, falar disso abertamente, como já falamos sobre outros diversos assuntos. Acredito que o 20 de novembro, como agora também tem o 25 de julho [data estabelecida pela ONU como “Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe”], são datas em que afirmamos a nossa negritude. Precisamos entender o porquê de nós morarmos em favelas, que isso não é por acaso. É importante trazer essa reflexão e torná-la parte do nosso cotidiano, para que não seja uma discussão isolada ou exclusiva de qualquer data.

Agência RJC: Como a juventude pode se envolver diretamente nessas reflexões, na luta contra o racismo, em especial os jovens negros?

Negro F: Primeiramente, eu vejo que passa pela questão da formação. A escola é um espaço, os movimentos e as ONGs que estão trabalhando com políticas públicas também são um espaço, para que nós, jovens, principalmente a juventude negra, comecemos a criar nossa autonomia. Eu vejo que o Movimento Juventude Negra e Favelada tem cumprido este papel de dialogar diretamente com a juventude que está na favela. Temos visto que algumas discussões raciais têm sido muito centralizadas, às vezes só entre os movimentos negros, e a gente tem feito o trabalho de levar mesmo para a juventude discutir. E eu acho que, como o Juventude Negra e Favelada, existem outros movimentos por aí. A juventude tem que se achar na sua própria comunidade, seja na associação de bairro, seja no grupo do qual ela faz parte, ou se ela não faz parte de nenhum grupo, de repente na escola, para começar a discutir e pensar: por que só 20 de novembro? Será que a questão do negro só deve ser pensada nessa data? A partir disso, poderemos questionar todos os valores que nos são impostos na sociedade. De fato, meu cabelo é crespo; então ele é ruim? O do outro é melhor, ou não? A partir dessas reflexões, então, é preciso procurar os espaços e se politizar.

Negro F: E que às vezes é executada só em novembro, por conta do dia 20. Eu mesmo, neste mês, devo ter feito umas dez entrevistas para alunos de escola, por que as escolas obrigaram a fazer, é fim de ano, valia ponto... Mas, repito, eu acho que não deve ser só em novembro, tem que ser uma discussão diária. Acho que a lei é bacana, mas ela tem que ser supervisionada e até mesmo questionada.

Agência RJC: Ontem, dia 16 de novembro, aconteceu, em Brasília, a primeira Marcha Zumbi +10; no dia 22 vai acontecer a segunda. Houve uma cisão do movimento negro, por divergências ideológicas e de concepção de como deveria acontecer a Marcha. Como vocês percebem o envolvimento dos jovens nesse tipo de questão e qual o significado da Marcha para a construção das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil?

Negro F: Eu vejo que, independentemente das divergências do movimento, a data é um marco para a juventude negra, para a população brasileira. A juventude tem que participar, tem que questionar, e até mesmo questionar o próprio movimento negro do porquê dessas questões. Se a gente é negão, se a gente mora em favela, se a gente já vive dividido aos montes, por diversos conflitos econômicos e sociais, por que no momento de brigar pelo que é nosso, por direito, a gente vai se dividir? Eu, particularmente, não sou partidário de nenhuma das duas marchas, mas acho que é importante participar, independente se a gente terá que arrumar uma brecha e ir pra Brasília, arrumar um ônibus ou, de repente, ir a pé mesmo! Então, acho que temos que participar sim, colocar nossa cara, a nossa voz; mais do que nunca, a juventude da periferia deve ocupar os espaços com a sua cara.

Negro F: A juventude tem que trazer uma cara nova para os movimentos. A gente vive na prática um monte de coisas que o movimento negro questiona, fala e tal. A gente vê no dia-a-dia quem está morrendo, quem está se envolvendo com o crime, os problemas que temos na família, os problemas geográficos, todos os tipos de repressão que sofremos, a falta de acesso a um monte de coisas. Então, os jovens vivem tudo isso na prática, sabem falar sobre essa vivência e têm voz pra poder dizer. Temos que saber ocupar os espaços, chegar e falar: “pô, é isso que a gente está vivendo, queremos essa mudança, e é pra agora”. Não é pra pensar para a próxima eleição ou para a próxima geração. Estamos aí, temos que viver, e não sobreviver a essa guerra.

CONTATOS
Grupo Cultural NUC: (31) 3468-2245 | grupoculturalnuc@yahoo.com.br

Veja a entrevista na integra: http://www.redejovemdecidadania.aic.org.br/boletim/boletim_ano_03_02.htm

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